terça-feira, 21 de abril de 2020

Aquele quadro vivo*

Tema: Acróstico
Por Rafael Freitas



Riscos. Era assim que minhas avós e uma de minhas tias chamavam aqueles desenhos. Ramos e flores estampavam frágeis folhas de papel de seda, que rasgavam-se nas dobras devido à ação do tempo ou ao manuseio repetitivo.

A minha infância foi marcada pelos riscos de bordado. Minha avó materna, Marta, morava em um sítio, onde eu passava boa parte das minhas férias. Às vezes, ela me pedia que transferisse para uma folha quadriculada bordados de ponto-cruz que, na revista, eram muito pequenos para sua vista já cansada. Ela gostava de amores-prefeitos.

Fazia esses desenhos e riscos com prazer. Até aprendi alguns pontos de bordado. Gostava de fazer cartões com bordados de ponto-cruz na talagarça branca, emoldurados por papel cartão colorido. Mas, imaginem! Um menino bordar não podia; era coisa de mulher. Mas eu bordava. Até comprava revistas. Passei a colecionar riscos da seção de bordados e artesanato das revistas de costura da minha mãe.

A avó paterna, Francisca, e minha tia Margarida também bordavam. Tia Margarida, mais conhecida por Nilda, nascida no dia da primavera, vejam bem, bordava panos de prato com ponto-cruz "para fora". Muitas vezes ela conseguia alguns modelos de bordados e pedia, para o meu primo ou para mim, copiarmos o esquema nas folhas quadriculadas. Atenção na contagem dos "xizinhos" para não dar errado. E aprendam: o avesso precisa ser perfeito.

E mais que os riscos com lápis ou caneta Bic azul naqueles papéis amassados, essas mulheres eram apaixonadas por flores de verdade! Em cima da mesa da cozinha, na casa da avó, ficavam as violetas. Roxas e liláses. Em volta da casa toda, roseiras, orquídeas, beijinhos, antúrios, bromélias, samambaias, avencas. E algumas lagartixas!

Linhas coloridas, agulhas, riscos, folhas e flores se misturam e formam um quadro bonito e alegre na minha memória. Essas mulheres influenciaram meus gostos, minhas habilidades. Fazem parte do homem que eu sou: um homem que gosta de bordados, costuras e flores. E de tanto amor, qualquer dia vai florescer um desses riscos aqui, como uma homenagem. Aqui, em um dos meus braços que bordam.


* Trecho da música Varanda Suspensa, da cantora Céu.


4 comentários:

  1. Que coisa mais linda desse mundo de meu Deus!!!!
    Amei Rafa, tipo de texto que deixa o coração da gente aquecidinho. Parabéns!!! amei!!!

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  2. Meu Deus do céu! Que orgulho da família, das suas habilidades e desse quadro lindo que alegra sua memória.

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  3. Prevejo uma tatuagem.. é isso mesmo Brasil?!

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  4. E que delícia de história e de memórias. E nem as lembranças mais bonitas fogem desses estereótipos insuportáveis, né minha gente?
    Vamo mudá isso logo!

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