Menino de Papel.

Por Flávius Mondragon

Para ele, o dia das bruxas era todo dia, mesmo dispensando os doces e guloseimas. O olhar esperto, arguto, sempre com pressa. As mãos pouco mostrava, instrumento de eficácia comprovada na arte da traquinagem. Pintava e bordava onde quer que estivesse. Tinha formiga nos pés, nunca se quietava. Antes de terminar qualquer coisa, seu olhar já perscrutava uma arrelia. Não brigava com ninguém, não dava tempo. Passava ligeiro por todos. Deixava um rastro de incômodo, um balde de surpresas, um caminhão de inquietudes e sorrisos esvoaçantes.
Era insolente, não se curvava ao poder.
Era autêntico, não temia a censura.
Era odiado, cutucava o bom senso.
Era amado, carregava a alegria.
Não passava incólume, era o próprio movimento. Movia as pessoas e coisas ao seu redor. Mais pessoas e mais coisas que aquelas que existiam. Sua fantasia era no concreto e seu imaginário, um projeto. Projetos que não findavam nem bebiam escassez. Era alquimista, mestre na transformação. Além de chumbo e ferro, outros metais pesados eram transformados em sua forja ambulante, chamada de gente. Pequeno na estatura, colossal titã em seu ofício de amofinar a mesmice.
Seu nome era um sussurro, suas vestes de vento. Menino de fumaça que morou em todo mundo. Se perdeu. Foi combatido até pelos ecologistas. Efeito estufa, muito carbono.
Aquele que era tanto gente, tanta atitude, volatilizou.
Mora nas brumas etéreas de remotas lembranças.
Aparece aqui e ali como menino de papel.

Genisvaldo Reis