Tema: profissão que jamais atuaria
Por: Rosana Tibúrcio
E numa segunda-feira qualquer – sentada na mesma cadeira; atrás do mesmo balcão; em frente a um grupo basicamente homogêneo; com o mesmo estilo de agenda que usa há décadas, ganhada de vendedores; com uniforme cafona igual ao das colegas de clínica; atendendo ao telefone já velhinho – Juliana inicia um novo diálogo muito parecido com os demais que teve, ali naquele lugar, desde sempre.
- Consultório do Dr. Arthur, boa-tarde.
- Quero marcar um horário amanhã com o Dr. Arthur, tem como?
- Tem sim, há vaga às 10 e às 16 horas, senhora.
- Às 16h pra mim está bom.
- A Sra. poderia me informar nome e telefone?
- Sou a Felisbina Camargo Mariano Salve Salve, fone 5555.5555.
Na terça-feira da outra semana chega Salve Salve no local.
-Boa-tarde, Juliana
- Pois não, senhora.
- Marquei uma consulta pra hoje às 16h, sou a Salve Salve.
- É sua primeira consulta com o Dr., Dona Salve Salve?
- Não, Juliana, vim aqui no ano passado, você não se lembra de mim? Eu me lembro de você [?!?!]
- Desculpa minha senhora, mas não me recordo, é que eu atendo muitas pessoas por dia.
- Mas deveria porque eu sou a Fulana blablablá Salve Salve.
Juliana engole seco, respira fundo, mas não responde à provocação da Salve. Ela apenas pede que a mulher aguarde mais um pouco para encaminhá-la ao consultório. E assim faz.
Enquanto no consultório o Dr. Arthur apalpa Dona Salve Salve de cá e de lá, Juliana continua sua saga junto à agenda, telefone e pacientes impacientes.
O Dr. pede que a Sra Salve se dirija à Secretária
(cadê o nome de Juliana, Dr.?) pra um retorno em sete dias.
- Para daqui sete dias? Nossa, agenda lotada!
- Quero nem saber mocinha,
(Alzheimer atacou Salve salve, pois esqueceu o nome de Juliana) o Dr. pediu pra eu voltar e vou voltar.
- Claro, minha senhora, faz assim: volte no horário que for melhor para a senhora, nem precisa me ligar marcando. Quando chegar aqui, encaixo a senhora entre um e outro paciente.
Passado os sete dias volta a Dona Salve Salve e fala: moça,
(ex-juliana e ex-mocinha) tenho um retorno com o Dr. Arthur e você pediu pra que eu viesse qualquer hora.
- Qual o nome da senhora mesmo, por favor?
- Como assim você não lembra meu nome, de novo? Você é burra por acaso?
- Desculpe minha senhora, mas são tantas pessoas que atendo e sempre tão rápido que, às vezes, não me recordo do nome e preciso dele pra pegar a ficha da senhora.
- Meu nome é Salve, salve... diz a madame resmungando:
“vai morrer atrás de um balcão, é burra demais...”
FIM!
Francamente? Trabalhar para um chefe que não fala meu nome pros pacientes; vestir uniforme cafona; sentar na mesma cadeira, atrás do mesmo balcão; lidar com pessoas que se acham, como a Salve Salve; receber pragas de todo tipo; e, ainda por cima, viver de encaixar gente entre um e outro paciente? Tô fora! Comigo não!!!!
Ser secretária, sobretudo, de médico, jamais povoou meus sonhos infantis, nem adultos. Que Deus me livre e guarde, mas ser gari, adestradora de animais, ajudante de pedreiro, irmã de caridade, doméstica, puta, agente funerário ou penitenciário, aeromoça, enfermeira, cobradora de ônibus – outras profissionais que nunca desejei ter – estão, pra mim, bem acima da secretária, que considero a profissional mais sem criatividade e sem quase nenhuma possibilidade de novos aprendizados no dia-a-dia. É isso!
Uma linda quinta-feira pra todos vocês, minhas gentes, porque nas quintas há sempre algo diferente no ar e hoje há uma revelação bombástica: secretária de médico não é profissão, é uma sentença condenatória.