terça-feira, 29 de setembro de 2009

Rua Francisco Fagundes, 157.

Tema: Jogos infantis
Por Rafael Freitas

Rua Francisco Fagundes.
Esta era a rua da serralheria do Seu Bruno, um senhorzinho simpático, rechonchudo, de olhos claros e cabelos muito brancos. Ele poderia se vestir de papai-noel. Era tão bom velhinho quanto aquele das renas.
Esta também era a rua da minha casa. Eu descia as escadas, passava pelo muro rosado, quase desmoronando, da casa vizinha, atravessava a rua, passava pelo bar e subia a escada escura da serralheria de seu Bruno. Sempre com uma sacola nas mãos. E ele já sabia a pergunta de cor: _ Seu Bruno, me dá uns toquinhos?

Com o sorriso bondoso de sempre, ele apontava o monte de sobras de madeira amontoado no chão, ao redor de uma das máquinas. Dizia que eu poderia pegar, mas que era para ter cuidado para não me machucar nos dentes das serras afiadas.

Eu voltava feliz para casa. Subia de novo a escada. Passava pelo portão marrom, quebrado, e espalhava os toquinhos pelo corredor. Meu irmão mais novo, Hugo, sempre brincava também. Trazíamos os boizinhos de plástico, cavalinhos, até umas galinhas de gesso saídas de um presépio antigo. Ali começávamos a construir nossa fazenda. Quadrados, retangulares, triangulares, de bordas arredondadas: qualquer forma era utilizada para uma cerca, para um curral ou um portal inusitado.
Toquinho. Era assim que eu chamava esta minha diversão.

Neste mesmo corredor, soltávamos pião. Meu pai vivia dizendo que era preciso ter cuidado para o brinquedo não voltar contra a gente. Poderia machucar.

A Francisco Fagundes também era a rua onde eu brincava de bete ou taco, de pique-esconde, de bandeira, de cela, de Changeman. Nas árvores dali, eu subia e ficava de cabeça para baixo, com as pernas enroscadas em algum galho. Foi ali também que fui atropelado por uma Brasília amarela, desbotada, quando saí correndo da garagem exibindo o caminhãozinho, também amarelo, que acabara de achar entre as tralhas.

Não tive muitos brinquedos. Meus pais não podiam comprar. Não tive um lango-lango, nem um pogobol. Nem um super massa, nem jogos de tabuleiro, nem bichos de pelúcia. Meu sonho era ter um lego. E nem precisava ser temático, não. Um balde das peças simples, sem castelos ou piratas, já estava bom. Este continua sendo um sonho.

Eu brincava com as cartas de baralho que meu pai não usava mais. Ele sempre dizia que baralho velho não serve, as cartas vão ficando marcadas. Então eu pegava as cartas e ia empilhando com cuidado, vislumbrando minha torre, até chegar lá no topo, uma carta desequilibrar e acabar com tudo! Ou então, fazia um caminho com as cartas em pé para depois derrubar a primeira, que derrubaria as outras todas.

Algumas vezes jogávamos loto ou ciclovia. Era bom: sábado à noite, a família toda no chão da sala, ou no sofá, jogando loto ou ciclovia (que tem o tabuleiro bem parecido com o que a Marina fez para brincarmos de jogo da mímica). Às vezes montávamos o ferrorama do meu irmão mais velho, Marcelo, e ficávamos observando. Mas eu gostava mesmo era de montar o trenzinho embaixo da cama, pra ver melhor a luzinha acesa da locomotiva.

Ali na esquina, na descida que levaria ao estádio, Marcelo tentava me ensinar a andar de trolinho e a soltar pipa. Meu avô, Zezito, serralheiro como o seu Bruno, ajudava a fazer os carrinhos ou a maquininha de enrolar a linha para as pipas. Nunca fiz uma pipa. O trabalho das varetas era sempre do Marcelo. E a lembrança é tão prazerosa que quase sinto o vento daquele dia: o dia do papagaio de papel manteiga verde que o Má fez para mim.

Eu não tive os brinquedos que queria.
Mas hoje percebo que peças de um jogo podem se perder, algumas podem quebrar, e que sempre haverá um brinquedo mais moderno, mais cheio de luzes e sons que vai brincar sozinho e te deixar olhando.
Entre estas possibilidades, vejo os olhinhos claros do Seu Bruno e seus cabelos brancos. Ou meu pai abrindo a porta da estante para me dar aquele baralho surrado. E estas coisas não se perdem.

45 comentários:

  1. ilustrou sua infância...

    já tão distante...
    heausdfhuasfgasydufgbahsdfafas!

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  2. mas vc ainda é jovem por dentro.

    [tentando corrigir]

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  3. eu não joguei pião igual você..
    nunca dei conta.

    só jogava pic-esconde e afins pela rua.

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  4. talvez o Seu Bruno era o papai noel e vc não sabia.

    rá!

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  5. ai Rafa, que texto mais nostálgico e delicioso...
    Minha vida de infância era assim tb, entre pipas e coisas simples. Só que eu sempre fiz minhas pipas... rs

    ameiii...

    Bom ler um texto leve numa terça meio pesada.

    Saudade de vc.

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  6. Tive a maioria dos brinquedos que quis, mas o melhor sempre foi brincar na rua e inventar brinquedos ou brincadeiras, fazer campeonato de queimada... tempo bom que só fica nas lembranças mesmo...

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  7. Esse seu Bruno deve parecer aqueles velhinhos fofinhos q sempre encontro na rua de manhã e amo dar bom dia, eles respondem com sorriso nos olhos.

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  8. Esse post foi uma delícia de fazer!

    Levo um pião pra ti em Janeiro, Brant!

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  9. Flavíssima!
    Que delícia vc por aqui!

    Eu jogava queimada tb, esqueci de citar no post!

    O Seu Bruno corresponde à sua descrição aí sim, viu. E ele era avô de uma garota que ficou minha amiga na época da faculdade, a Wilminha.

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  10. Eu tô em crise com a música!
    Queria Fazenda, do Milton; ou ursinho Blau Blau, do Silvinho!
    haha

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  11. Rafa, que infância linda! Eu tmbm não tive muitos brinquedos, me lembro de um cai cai balão e um jogo de memória Disney, agora nada de pogobol, lego e barbye.

    Mas o que gostava mesmo era de rabiscar qualquer pedacinho de papel que encontrava. Mas na minha infância não tinha nenhum senhor como Seu Bruno...

    Deu uma vontade de voltar a ser criança...
    BJOS!

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  12. Se você é jovem ainda, jovem ainda, jovem ainda
    Amanhã velho será, velho será, velho será
    A menos que o coração, que o coração sustente
    A juventude, que nunca morrerá!

    Existem jovens de oitenta e tantos anos
    E também velhos de apenas vinte e seis
    Porque velhice não significa nada
    E a juventude volta sempre outra vez!

    Chaves

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  13. hahahahahahah

    gente imagina esa pessoa com toquinhos de madeira. e não querendo sujar sua roupinha nova de marinheirinho!!!

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  14. Eu nucna tive nenhum desses briquedos.. frescobol, pego bol, essas coisas e nem por isso fiquei uma pessoa traumatizada..

    Lego é para gente certinha.. e somos malocas...

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  15. eu tinha casa da barbie, carro da barbie, e todas as barbies..
    isso quer dizer que eu era uma criança insuportavel..

    cresci e fiquei melhor!!

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  16. Priscila!
    Se eu te contar que tinha escrito um parágrafo sobre tintas, papeis e afins cê acredita?

    Mas acabei tirando!
    rs

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  17. A Paula era quase uma Barbie, né gente???
    hahaha

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  18. Adorei a música que vc lembrou, Paula!
    Mas tinha tb aquela dos brinquedos:

    A brincar/ a brincar/ brincaremos, brincaremos/ sem parar

    Bom demais!

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  19. Eu gostava de brincar com barro tb, acreditam?
    Tinha um quintal nos fundos de casa e uma boa parte dele não era cimentada. Eu cavucava a terra com uma colher, misturava com água e fazia esculturas!
    hehe

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  20. Rafa, então eu não era a única!!!! Claro que acredito, rs.

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  21. vc parafraseou a 'rua Nascimento Silva, 107', Carta ao Tom do Vinícius, com esse título? rs

    pensei imediatamente...

    'É meu amigo só resta uma certeza
    É preciso acabar com a natureza
    É melhor lotear o nosso amor...'

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  22. Coisa mais linda seu post. Lindo demais, se fechar os olhos dá quase pra ver a rua, do jeitinho que descreveu.
    Deu saudade da minha infância, e eu também não tive um Lego!!

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  23. nossa. que delicia de texto.
    e que delícia de brincadeiras.

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  24. acho bom demais essas brincadeiras todas que todo mundo pode brincar.

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  25. dia desses, na aula de estética e cultura de massa, meu professor levou objetos pra que a gente avaliasse a estética e tal.
    o que eu peguei era um disco voador. aí depois eu notei que faltava uma peça e no caso era um disco voador tipo peão.
    e ele era tipo "de dar corda" e soltava luzes fluorescentes e era ótimo.

    no mais, não tenho lembrança de outro peão.

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  26. eu nunca fiz pipa. nem soltei. nem nada.
    =(

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  27. "Uma garota que ficou minha amiga na época da faculdade, a Wilminha"


    hdiuahiuadhiudhiuadshiuadshiadshhash

    ai, não sei porque, mas achei isso tão engraçado. Wilminha.

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  28. "eu tinha casa da barbie, carro da barbie, e todas as barbies..
    isso quer dizer que eu era uma criança insuportavel..

    cresci e fiquei melhor!!"


    eu não teria certeza da última frase, paula.

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  29. "Eu cavucava a terra com uma colher, misturava com água e fazia esculturas!"

    E-S-C-U-L-T-U-R-A-S

    ahisuhsiauhasiuhasiuhiuashasiuh
    é muita pretensão.
    dhdaisuhdaisuhdiaushiusdahiudsahiudah

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  30. ai, tô solteira, galere.
    ahisuahiasuhiusahiuash

    [comentário aleatório]

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  31. Li o post mais cedão, até contei pro Rafito, mas não pude vir. Sentiram minha falta? Choraram por mim? Minha ausência chamou outras presenças... iurúúúú!!!

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  32. Post mais lindo, um afago na criança aqui de cada um, coisa mais cuti cuti...
    Adorei o título. Algo assim, de poeta messssss

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  33. Nunca na minha vida eu imaginei um senhor de nome Bruno, num sei se é porque existe um Bruno na minha vida que se eu pudesse traçava ele... hehehe
    Fico só imaginando o Rafa: “me dá toquinho” com uma cara de pidão, sei lá!!!

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  34. Hummm, construía fazenda, cerca, entendi, tai o estranho desejo em ser cowboy... saquei!

    Bete aqui pra gente chama-se: “licença Bete”. Quem seria essa Bete, né?

    Como assim, cê ficava de ponta-cabeça? Medo não? Nó, meu ídolo!!!

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  35. Sabe uma coisa? Não sou muito favorável a esse trem de muito brinquedo comprado. Criança até gosta de possuir, mas não é o que mais rola de importante e prazeroso.

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  36. Delícia essa brincadeira de baralho.

    Soltar pipa é bom demais. Fazer pipa é melhor ainda. Haja cola. Cês usavam cola de polvilho feita em casa? Era a melhor – no meu tempo, né?

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  37. GEnteeeeeee, sem comentários os comentários de Paulinha e Laurinha. São as louquinhas.

    E adorei a presença de Jéss e Flavíssima.

    A de Priscila e do Taffa nem fala mais, sempre gosto.

    beijossss a todos!!

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  38. putz, acredita q eu brincava de "toquinho" tbm, qdo criança?! mas num montava fazendas naum... nunca fui mto rural, montava predios, estradas, pracas. Pseudo-arquiteto desde mais novinho...rs ai, ai... tenho mta nostalgia de infancia, acho q por isso q ainda hj gosto de desenho animado, filme de criança, algodão doce e pipoca... não quero envelhecer tão logo nao.. mas afinal, a idade tá na cabeça da gte, ne? e não nos anos, nem na aparência e nos cabelos grisalhos...rs

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  39. Taí algo que nunca imaginei: o Ti brincando de toquinho!

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  40. Maninhaa

    Sabe que eu tb achei esse trecho da Wilminha engraçado?
    rs

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  41. Mainha,
    às vezes minha mãe fazia cola de polvinho sim!

    E a linha era número 10. rs

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  42. Que legal, Rafa!!!
    Eu conheci o seu Bruno, eu muito de vez em quando pegava toquinhos lá tbm.

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