terça-feira, 12 de maio de 2020

Meu coração está desperto*

Tema: Nova fase**
Por Rafael Freitas


Para falar de mudanças, poderia recorrer àquela frase famosa de Heráclito, sobre ninguém conseguir banhar-se no mesmo rio duas vezes. Acho bonito, poético. Mas sinto que precisamos de mais realismo neste momento: nem sempre a mudança é fácil. Quase nunca, talvez. E é sempre uma escolha: é preciso QUERER mudar.

Mesmo sendo tão difícil, mudar é uma grande vantagem de estar vivo. Afinal, o mundo muda a todo momento - olha aí o rio lá do Heráclito - e adaptar-se é preciso.

Eu comecei algumas mudanças. Insisto: apenas comecei. Acompanhem.

1 - Achava desnecessário que um cara gay "carregasse a bandeira", ignorando completamente que os direitos e a visibilidade de que a comunidade LGBTQIA+ goza (!), hoje, foram alcançados graças à coragem e à dor daqueles que levantaram suas (nossas?) bandeiras.

2 - Julgava comportamentos sexuais diferentes do meu, como se houvesse uma única maneira de ser gay E ESSE JEITO ERA O MEU, CORRETÍSSIMO, os viado tudo que lutasse para se encaixar nesse padrão.

3 - Não tinha noção nenhuma da complexidade das relações de gênero e da prisão criada pelos papéis atribuídos ao masculino e ao feminino - mesmo tendo sofrido por ser a criança viada que odiava futebol, gostava de estudar, desenhar, bordar, que tinha que pentear o cabelo do lado direito porque era o lado de homem e não podia aprender a cozinhar por ser coisa de mulher. E esses são exemplos ínfimos.

4 -Também não tinha noção da complexidade das facetas da sexualidade humana. Nada é preto no branco. Sexualidade também não é uma coleção de caixinhas em que cada um escolhe uma, entra nela e, então, passa a comportar de acordo com as instruções daquela embalagem. É complexa, mutável, inexplicável. E linda.

5 - Não percebia que ser um homem cisgênero branco de classe média é muito privilégio. Que não basta dizer "não sou racista" para não ser. Que o racismo está enraizado, erva daninha que beira até mesmo pessoas bondosas e sábias, pessoas que amamos, mas que repetem suas piadas, seus comportamentos e seu discurso de privilegiado.

Eu pirei no começo, admito. Mas imaginem uma casa bem construída, bem alicerçada, mas antiga, fiação toda prejudicada, portas e janelas que nem segurança oferecem mais. Mas o terreno é tão bom que vale o investimento de botar tudo abaixo, implodir, ver cacos de tijolos voando, poeira subindo e é só caçamba de entulho levando tudo embora. Uma desconstrução começa assim.

Somos bons terrenos. Somos construções bonitas em potencial. Cada um sabe até onde pretende desmanchar a casa antiga; talvez algo possa ser reaproveitado. Mas é essencial que a casa nova tenha muito espaço para a igualdade, para o respeito e para a empatia. Que tenha muito espaço para o outro.



* Trecho da música Soul Parsifal, da banda Legião Urbana
** Gostava/não gosto mais; era/não sou mais

6 comentários:

  1. Mudanças profundas, necessárias e salvadoras.
    Final de texto profundo, fechamento com chave de ouro e um convite à reflexão.
    Delícia saber que nossos papos e seu ensinamento me fizeram mudar em tanto, também.
    Professor, professor Rafael. Tem ideia desse condutor de tantas mudanças em tantos jovens AND idosinhas? Que sorte a nossa!!!

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    1. E olha que se passaram 14 dias e te mandei alguns áudios HOJE falando desse nosso processo juntos, mainha!!! MUITO AMOR ENVOLVIDO.

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    2. muito amor envolvido. Bom que mudamos juntos né? eu acho muito bom!!! Sigamos!!!

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  2. Filhote, hoje eu ouvi - olha só que coincidência, o episódio 61 do podcast 'estamos bem?". O episódio é: "Aquele sobre autoaceitação com Ju Romano." Confia em mim? Ouça!!!

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    1. Preciso aprender a gostar de podcast, gente!

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    2. você gostaria de muitos, mas entendo porque tenho birra de youtube, like...

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