Tema: quatro gerações
Por Laura Reis
Foi a primeira coisa que vi assim que entrei no quarto dela.
Aquele guarda-roupa embutido, grande, de madeira tão escura, me fazia lembrar
de minha infância inteira. Das brincadeiras de esconde-esconde, dos primeiros
interesses por maquiagem negados, do cheirinho do talco do vô. Agora as roupas
de minha mãe é que tomavam conta daquele lugar.
Enquanto eu olhava cada pedacinho daquele móvel enorme, a barriga se mexia,
ritmadamente. Era a pequena, talvez me oferecendo um carinho, sentindo minha
aflição lá dentro.
Teríamos que vender a casa. Mas isso não me importava,
muito. Nunca fui muito apegada às coisas. Só que...tinha o guarda-roupa e
ele, sim, ele era o grande símbolo da família, não sei exatamente porque. Aliás,
sei e já pensei nisso agorinha mesmo..
A mãe entrou no quarto, com os olhos lacrimejados anunciando
que o último visitante interessado estava chegando pra fechar negócio com a
gente. Meu coração apertou, a barriga me chutou mais um pouco, senti uma
pequena pontada, mas era nervoso, com certeza. Me sentei pra esperar o rapaz,
que chegou contente porque a casa estava em perfeita ordem e ele ia começar uma
família em breve (ou pelo menos é o que seu olhar dizia, vendo minha barriga
ali daquele tamanho). Ele também queria uma família, uma âncora.
Enquanto meus pais resolviam os detalhes com ele, voltei ao
quarto de minha vó, que agora era de minha mãe. “Por que não poderia ser meu
também? E ela ainda poderia brincar de casinha de boneca na quarta porta, como
eu fazia quando criança”, pensei adulando a cabeça dela, ali do lado esquerdo
da minha barriga.
É, não podíamos vender a casa. Ela ainda precisava ser
minha, e dela, um dia, quem sabe. As pontadas na barriga aumentaram, quando me
dei conta o lençol estava sujo de sangue, ela chegaria hoje, no dia da venda.
Não, nada de dois acontecimentos no mesmo dia. Gritei meu
pai pra irmos ao hospital, exigi que mamãe também fosse. O rapaz ficou um pouco
anestesiado, mas penso que entendeu a urgência e espero que também entenda que
quero aquele guarda-roupa pra mim. E, depois, pra minha filha. Minha vó ficaria
orgulhosa de ver sua bisneta cuidando daquelas portas escuras, afinal.
Assim, seria.
Só eu lembrei do guarda-roupa das Crônicas de Nárnia?
ResponderExcluirrs
E essa menininha, hein?!
ResponderExcluirNascer atrapalhando os negócios da família! rs
Corre que a criança ta saindo!
ResponderExcluirEu gostei da descrição do guarda-roupa.
ResponderExcluirE do cheirinho do talco do vô.
Lembrei do meu avô.
Que linda da história, das lembranças.
ResponderExcluirVoto para o cancelamento da venda da casa.
ResponderExcluirO Taffa preocupado com o bebê saindo.. hahahaha
ResponderExcluirCheiro de talco de vô. Não sei o que è. Não me lembro. mas deve ser bom.
ResponderExcluirRi muito do Táffa ...
ResponderExcluir.
Também voto para a não venda da casa.
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Gabriel Garcia Marquez curtiu isso.
ResponderExcluirParabéns, lindinha.