segunda-feira, 9 de julho de 2012

Assim será.


Tema: quatro gerações
Por Laura Reis

Foi a primeira coisa que vi assim que entrei no quarto dela. Aquele guarda-roupa embutido, grande, de madeira tão escura, me fazia lembrar de minha infância inteira. Das brincadeiras de esconde-esconde, dos primeiros interesses por maquiagem negados, do cheirinho do talco do vô. Agora as roupas de minha mãe é que tomavam conta daquele lugar. Enquanto eu olhava cada pedacinho daquele móvel enorme, a barriga se mexia, ritmadamente. Era a pequena, talvez me oferecendo um carinho, sentindo minha aflição lá dentro.
Teríamos que vender a casa. Mas isso não me importava, muito. Nunca fui muito apegada às coisas. Só que...tinha o guarda-roupa e ele, sim, ele era o grande símbolo da família, não sei exatamente porque. Aliás, sei e já pensei nisso agorinha mesmo..
A mãe entrou no quarto, com os olhos lacrimejados anunciando que o último visitante interessado estava chegando pra fechar negócio com a gente. Meu coração apertou, a barriga me chutou mais um pouco, senti uma pequena pontada, mas era nervoso, com certeza. Me sentei pra esperar o rapaz, que chegou contente porque a casa estava em perfeita ordem e ele ia começar uma família em breve (ou pelo menos é o que seu olhar dizia, vendo minha barriga ali daquele tamanho). Ele também queria uma família, uma âncora.
Enquanto meus pais resolviam os detalhes com ele, voltei ao quarto de minha vó, que agora era de minha mãe. “Por que não poderia ser meu também? E ela ainda poderia brincar de casinha de boneca na quarta porta, como eu fazia quando criança”, pensei adulando a cabeça dela, ali do lado esquerdo da minha barriga.
É, não podíamos vender a casa. Ela ainda precisava ser minha, e dela, um dia, quem sabe. As pontadas na barriga aumentaram, quando me dei conta o lençol estava sujo de sangue, ela chegaria hoje, no dia da venda.
Não, nada de dois acontecimentos no mesmo dia. Gritei meu pai pra irmos ao hospital, exigi que mamãe também fosse. O rapaz ficou um pouco anestesiado, mas penso que entendeu a urgência e espero que também entenda que quero aquele guarda-roupa pra mim. E, depois, pra minha filha. Minha vó ficaria orgulhosa de ver sua bisneta cuidando daquelas portas escuras, afinal.
Assim, seria.

10 comentários:

  1. Só eu lembrei do guarda-roupa das Crônicas de Nárnia?

    rs

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  2. E essa menininha, hein?!
    Nascer atrapalhando os negócios da família! rs

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  3. Eu gostei da descrição do guarda-roupa.

    E do cheirinho do talco do vô.

    Lembrei do meu avô.

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  4. Que linda da história, das lembranças.

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  5. Voto para o cancelamento da venda da casa.

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  6. O Taffa preocupado com o bebê saindo.. hahahaha

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  7. Cheiro de talco de vô. Não sei o que è. Não me lembro. mas deve ser bom.

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  8. Ri muito do Táffa ...
    .
    Também voto para a não venda da casa.
    .

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  9. Gabriel Garcia Marquez curtiu isso.

    Parabéns, lindinha.

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