Tema: Férias
Por Rafael Freitas
O fusca azul parava. Eu descia
e ia correndo abrir a porteira. E gritava pro vô que nem precisava me esperar:
gostava de ir correndo atrás do carro, pela estradinha de cascalho. Lá na
frente ficava o curral, o paiol e depois a casa. Ficou melhor quando o vô
passou o curral lá pra baixo e fez o terreirão pra secar café na frente da
casa.
Era assim em todas as férias
da escola: eu ia pra roça do meu avô. Podia passar o mês todo lá, indo só algum
fim de semana ver meus pais, e voltava no mesmo dia.
Debulhar milho, moer café,
catar ovo. Até ajudando a vó eu me divertia. Sempre brincava no córrego que
tinha atrás da casa, onde as gotas de água limpinha pulavam nas folhas grandes
de inhame, que não as absorvia, e ficavam aquelas continhas brilhantes
escorregando pra lá e pra cá. E quando o café estava secando no terreiro? Era
preciso “mexer” o café com um rodo grande. Eu ficava fazendo desenhos naquele
pedação do terreiro coberto pelas frutinhas já escurecidas. E como era bom
escorregar e cair entre elas! E a vó brava! Também era bom entrar naquele canto do paiol
onde o café ficava armazenado: era a piscina de bolinhas daqueles tempos! O
problema era o “juçá” do milho que ficava espalhado no chão, no outro canto.
Deixava as canelas coçando!
Às vezes tomava banho de
bacia, no meio da cozinha. Mas preferia mesmo ficar na banheira um tempão, com
a água quentinha da serpentina. Que eu não entendia direito como funcionava.
Como também não sabia o que era o "Brejão", onde meu avô ia uma vez por semana ver se estava tudo certo. De vez em quando trazia umas vacas de lá. Que eu
nunca saberia o nome, porque algumas eram tão parecidas! Tinha a Mocha, mocha
mesmo, que não ia muito com a minha cara e até avançava na cerca quando me via.
Atrás do curral, descendo,
tinha um outro córrego, mais largo. Era bom brincar ali também porque tinha
umas pedras escuras que soltavam uma tinta preta. Eu tentava subir por ele, pra
achar sua nascente, entrando no meio da mata, me sentindo o bandeirante,
achando lindo encontrar pequenos cardumes aqui e ali. E como criança não vê
perigo em nada, tinha muito pasto e muita mata pra ter uma cobra bem ali onde
eu queria desbravar, né?!
Depois de adolescente, já não
ia mais. Só em algum domingo, quando minha mãe ia visitar meus avós. Aí, quando
era época, elas faziam pamonha! E sempre: biscoito, sequilho e essas “quitandas”
de vó. Nem me lembro da última vez que fui lá. O fusca azul é do meu irmão mais
velho. Que ele não vende e nem troca, uma relíquia. Foi seu primeiro carro, que
o vô deu depois de comprar o fusca cinza.
Vô Zé Porfírio e Vó Marta moram
comigo agora. As coisas estão mais complicadas pela idade e saúde deles,
principalmente do seu Zé. De vez em quando a gente lembra e conversa
sobre essa época, com essa saudade peculiar. E mesmo que quisesse esquecer, vai
ter sempre a voz do Milton cantando Fazenda, pra me lembrar:
Água de beber, bica no
quintal, sede de viver tudo...