Tema: um dia de criança
Por Rosana Tibúrcio
Há uns seis meses mais ou menos, fui com meu pai ao Banco onde minha mãe trabalha. Nunca gostei muito de ir lá, exceto daquela cantina onde tem pão de queijo e enroladinho gostosos e alguns bombons pra vender. Quero nem saber o preço. Peço uma ou outra coisa pra mulherzinha e não pago. Ela então me entrega um papel onde rabisco o meu quase nome, devolvo e ela guarda. Como termina aquilo nem sei, como também nem sei direito escrever meu nome. Ainda estou no jardim de infância e só tenho cinco anos.
Ela, a mulherzinha, que parece ser a chefe da cantina e a outras duas companheiras dela ficam rindo de mim. Eu rio também. Acho elas meio bobinhas, pois não sei por que acham graça em mim, mas gosto mais das carinhas delas do que as dos tios e tias que ficam na sala grande onde minha mãe trabalha. Eles estão sempre tão sérios!
Só que nesse dia, lá na sala grande e feia, estava muito diferente: tudo tava muito lindo e feliz. Tinha um monte de gente velha chupando pirulito. Eu ri muito, eu dei muitas risadas, de doer minha barriga. Praticamente todos os tios e tias perguntaram de uma só vez: “quer um pirulito também, Aninha?” E um dos tios tirou o pirulito da boca, deu um sorriso lindo, apontou o dedo e disse “Foi a tia Rosana ali quem trouxe pra gente.”
A vontade que tive foi de pegar um pirulito de cada um dos tios velhos, mas meu pai me olhou com aquela cara de bravo e aceitei só um.
Os pirulitos eram meio vermelhos, meio rosas, com formatos de chupetas e com “açuquinha” em volta.
Coloquei meu pirulito na boca e assim que dei a primeira lambida, puxei a saia da minha mãe, daquele jeito que ela odeia, mas que surte efeito imediato: ela me percebe... e perguntei então, bem baixinho: “mamãe, onde ela achou desses pirulitos? cê compra pra gente?” E minha mãe, que de discreta não tem nada, falou bem alto: “a tia Rosana comprou isso em BH, nas Lojas Americanas.”
E eis que surge a tal tia Rosana, por detrás de um armário, com um pacote fechadinho e me entrega dizendo: “toma Aninha, vou te dar um pacote, porque a tia levou vinte anos pra encontrar desses pirulitos e não posso nem pensar em alguém passando a vontade que passei.” Pensei: “essa tia é doida, ficar vinte anos atrás de um pirulito?”
Só que depois que chupei o meu pirulito e mais alguns que tirei de dentro do pacote com vinte – eu já sei contar – é que fui entender a doideira da Tia Pirulitete. Eu também não suportaria viver vinte anos sem um daqueles.
Nesse dia, quando minha mãe chegou em casa o assunto era um só: a Tia Pirulitete e os pirulitos. Fiz um interrogatório daqueles: quantos pacotes de pirulito essa Tia Pirulitete trouxe da viagem? Ela vai muito em BH? Ela sempre compra pirulitos? Por que no Acre não tem disso, mãe? Quantos pacotes ela deve ter ainda? Ela tem filhas pra eu ficar amiga delas? Onde mora essa tia? Você não tem nada pra buscar na casa dela hoje? E, com lágrimas nos olhos, encerrei: “eu já te falei que preciso ter amiguinhos sem ser os da escolinha, mãe, eu sou muito sozinha nessa cidade que não conheço direito...”
É claro que minha mãe perdeu a paciência comigo, mas também me disse que uma das filhas dela estudava na mesma escolinha que eu estudava: na Vó Maria. Era a Laurinha, minha coleguinha de jardim. Eu já gostava daquela menina e passei a gostar mais, era ela meiga, quietinha e tinha uma irmã doidinha, a Marina, que ia muito na escolinha e ficava me dando beijo. Pensei: vou beijar muiiitoooo essa Marina, vou ficar amiga dela.
Sei que no outro dia me convidei pra ir na casa delas. Adulto acha que não, mas criança sempre consegue o que quer. O bairro onde eu morava era o mesmo do delas, aliás.
Fui então, com minha mãe, na casa das meninas e da Tia Pirulitete. Quem abriu a porta foi um tio, com um pirulito na boca e uma cara muito engraçada. Pensei: "é sonho, não pode, será que há muitos tios velhos chupando pirulito, aqui também?" Não, havia só ele...
E da tia pirulitete ganhei dois outros pacotes e a promessa de que sempre me traria um fechadinho quando fosse fazer curso em BH. “Já que lá no Acre não tem, né Aninha?” encerrou a Tia Pirulitete, acho que zombando de mim. A faladeira de minha mãe deve ter contado toda a nossa conversa do dia anterior, por isso tia brincando comigo. Nem importei muito, queria era só ganhar os pirulitos. Ela também não importou quando minha mãe contou o jeito que eu passei a chamá-la. Deu muitas risadas, a Tia Pirulitete. Rimos muito juntas, nesse e noutros vários dias.
Decidi então, usar só um dos sacos de pirulito e guardar o outro pra chupar um pirulito por ano. E se a Tia Pirulitete não fosse mais fazer curso? Ia eu ficar vinte anos sem chupar um pirulito daqueles? Jamais!
Mamãe e papai entraram em férias e fomos visitar a família no Acre. Ficamos por lá uns quarenta dias. Quando voltamos eu fui direto pra minha caixa de brinquedos onde eu havia colocado o saquinho de pirulitos. Eu não queria acreditar no que via. Chorei tanto: meus pirulitos estavam todos cheios de formiga. Pensei que podia ir ao tanque, lavar cada um deles e aproveitar as sobras. Minha mãe não deixou e me explicou direitinho que era perigoso, que as formigas eram nojentas e carregavam doenças sérias. Dormi chorando e chorei o outro dia inteiro. Não quis ir à escolinha, não quis nada. Estava arrasada!!
À tardezinha, minha mãe chegou do trabalho cantando e me chamando feliz: "Aninha, Aninha, olha quem está aqui, alguém que chegou ontem de viagem." E eu pensei, enxugando minhas lágrimas: credo dessa minha mãe chegando feliz, sabe que chorei o dia todo, sabe que estou triste porque perdi meus pirulitos pras formigas doentes... minha mãe é tão insensível!!!
Mas quando olhei no portão e vi Laurinha, Marininha doida, o tio engraçado e a Tia Pirulitete chegando, logo imaginei que tudo voltaria a ser como antes. Recebi vários beijos, abraços e um pacote de presente fechado. Foi aí que fechei a cara também, tal qual o pacote. Não queria nada mais, nada menos, que uma sacola das Lojas Americana. Povo sem noção!
Abri o pacote sem graça, quase chorando de novo. Dentro dele havia vários pirulitos soltos, só nas embalagens unitárias... lindos, todos sorrindo pra mim, me querendo e trazendo de volta a alegria de uma vida simples e doce, apesar de ter que ouvir algumas piadinhas do estilo: "cuidado com as formigas, elas são espertas e impacientes, não esperam vinte anos pra nada, viu Aninha?"
Bem muito depois da Tia Pirulitete e família irem embora ouvi minha mãe contando pro meu pai da cara de decepção que fiz quando vi o pacote com papel de presente e, também, da minha felicidade ao descobrir os pirulitos todos, lá dentro. Foi aí que fiquei sabendo que a Tia Pirulitete, além de gostar de pirulito e de ser boa pra mim, tinha dessas manias de fazer surpresas pra gente...
Ãhãããnn!!
Uma linda quinta-feira pra todos vocês, meus amores, pois nas quintas há algo diferente no ar e hoje há vontade desses pirulitos, saudades dos cursos em BH e dos menininhos todos que me amavam, quando criança.