segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O espelho de mão e a despedida

Tema: Uma foto, um conto
Por Laura Reis


Quase sempre o que se encontrava em seu quarto eram duas portas abertas, espaço livre para as crianças correrem e os presentes todos em cima da cama, ano após ano.

Em algum momento a sobrinha mais curiosa se deu conta de que, apesar de toda aquela liberdade, havia algo que não era tão aberto assim: a gaveta da escrivaninha. Sempre fechada, descobriu aos 15 anos (quando sentiu falta do espelho que sempre estivera ali em cima), que também ficava sempre trancada. Tal qual sua boca ao questionamento do irmão sobre o que ali fazia.

Ano após ano e o espelho sempre em cima da mesa. De vez em quando o pegava para se olhar e fingir pentear os cabelos, como as princesas nos desenhos. Ria, por fazê-lo há tanto tempo e o devolvia à mesa.

Foi num domingo que, ao acordar, recebeu a notícia de que a tia havia falecido. Já estava com a saúde frágil e tinha algum tempo que as festas de aniversário se resumiam a poucos gatos pingados em volta da cama onde antes os presentes ficavam. Agora, era preenchida apenas pela tia e seus causos do passado.

Passaram-se alguns dias quando decidiu visitar aquela casa que só lhe remetia a barulho: primos correndo pra lá e pra cá, tias conversando, família rindo à beça e muitos parabéns seguidos dos melhores doces esperados por um ano inteiro.

Já no quarto, hoje tão vazio quanto qualquer canto dali, não pôde evitar a mesa. Se espantou ao perceber a gaveta semiaberta e a chave que nunca vira, meio posta. Não se aguentou e a abriu completamente. Ali, só o espelho de mão e um bilhete escrito há três semanas

Querida, sei que você virá até aqui quando eu for embora. E sei que vou embora essa noite mesmo. Espero que continue cuidando tão bem desse espelho. Há muito não consigo me ver nele. 

7 comentários:

  1. Laura você conseguiu descrever em poucas palavras muitos acontecimentos que ficarão guardados na minha lembrança. Muito lindo.

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  2. essa foto é ótima, né Rafa?
    é de 2011, acho.
    mas a casa da tia sempre foi, sozinha, um retrato. (hmmm poético

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  3. Gente, que texto mais lindo, parece você falando de uma de nós, as sobrinhas mais diretas da tia...
    Que linda a foto e o comentário poético...

    AMEI DEMAIS!!! <3

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