Tema: livre
Por: Rosana Tibúrcio
Sempre
andou na contramão. Não ao dirigir, claro; é deslocada, não louca ou burra.
Mas
aquela história de que as todas as jovens tinham que usar meias três-quartos
não se tornou um hábito ou motivo para gastar seu minguado e suado dinheirinho.
Optava pelas pernas descobertas porque eram bonitas, “e pernas bonitas
de moças bonitas foram feitas para serem apreciadas”, dizia o avô, que
tinha bom gosto como os moços todos que olhavam para as dela em vez de para as das
meias da modinha. E em tempos de botas de cano baixo, médio ou longo, usava seus saltos altos e finos
que continuavam a atrair olhares deles e delas. Delas de entojo; deles de
cobiça.
Para não ficar só nessa de pernas e aparente vazio - assim como as meias
três-quartos, botas e saltos - enquanto as amigas estudavam inglês ou espanhol,
quis mais e demorou quase um ano para encontrar um professor de russo. Aprendeu.
Fala fluentemente. E as amigas perguntavam: “Para quê? Onde vai falar
essa língua louca e com quem?” Com ele, o armênio mais lindo do mundo
que conheceram em Nova York. Foi só ele contar de onde vinha que ela se pôs a
praticar tudo que aprendera nas aulas complicadas. O lindo só teve olhos e boca
para ela. As amigas se mordendo. Ela sorrindo.
De
volta ao Brasil, com o armênio a tiracolo foi a vez dela ensinar ao moço lindo,
sua língua; apresentar as comidas e hábitos locais; e, principalmente, as canções
e cantores brasileiros de maior destaque. Começou com os clássicos da música
popular brasileira não só por uma questão denominada cultural, mas porque eram seus
preferidos. Enquanto as amigas ouviam pagode e similares ela ia de Vinícius,
Tom, João, Elis, Caetano, Chico, Gil e companhia. Ela parou na turma dos
"clássicos" pensando ter sedimentando o gosto dele.
E
assim, as lições musicais corriam soltas pela casa do casal - que aboliu tempo
de namoro, noivado e partiram logo para "vamos morar juntos?" -
até o dia que ele voltou para casa com mais de dez discos: de pagode, músicas
denominadas bregas e outras canções dissonantes das que ela havia lhe apresentado, porque "os
meninos do trabalha ouve essas, eu gosta, você nunca mé mostrô".
E
então naquela casa só se ouvia, nas horas que o armênio estava nela, Alexandre
Pires Fábio Júnior, Roberta Miranda, Paula Fernandes e afins. Os dois estavam
craques, aliás, nos passinhos de pagode.
Foi
então que ela retomou os estudos de Kierkegaard a fim de ter uma compreensão
mais ampla da natureza humana, com enfoque no armênio; distinguir a ilusão romântica de que "ouviremos
as mesmas canções, meu amor", da realidade que se apresentava; e
entender, acima de tudo, que a verdade que interessa é aquela vivenciada pelo
armênio, pelas amigas das meias três-quartos e da agora série 50 tons de cinza,
em vez de livros melhores, como os que ela aprecia e lê. A verdade que
interessa não é só a verdade dela.
Tem
sido uma luta estudar, e compreender - quiçá gostar; preferencialmente
respeitar -, alguns gostos dele e delas, as amigas.
Mas
sabe que continuará na contramão de muita coisa como: dirigir seu jipe verde,
em vez de carros mais populares e, sobretudo, ouvir as melhores canções,
segundo o gosto dela.
É, a deslocada tem que estudar muito...
Uma linda quinta-feira para todos vocês, minhas gentes, pois nas quintas há sempre algo diferente no ar e hoje houve o fator sorte ou azar, depende dos olhos de quem viu/leu: fechar os olhos, abrir o dicionário e apontar uma palavra para virar tema. Por isso um texto aparentemente deslocado dos meus demais...