Tema: Livre
Por Taffa
Naquela noite despertou assim que sentiu que havia mais
alguém no quarto. Ainda com a cabeça deitada no travesseiro, arriscou abrir um
olho para tentar enxergar algo, mas não viu ninguém. Segundos depois escutou, vindo
do breu, um suspiro que reconheceu ser o de sua mãe e chamou-a com a voz rouca
para que se aproximasse. Do outro lado do quarto ela veio, ainda descabelada e
com os olhos apertados, para fazer um carinho no filho. “Eu fiz de novo?” A
criança sussurrou e com um sorriso preocupado a mãe assentiu: “Amanhã vou te
levar ao médico”.
Levou. De nada adiantou. Na verdade, aquele seria apenas o
primeiro de diversos psicólogos e neurologistas que a criança ainda conheceria
na vida. O garoto retraído que passava os dias em silêncio e só conversava
quando lhe direcionavam a palavra parecia se tornar outra pessoa quando caía
no sono e começava a sonhar. Nas últimas noites, inclusive, a mãe havia percebido
que o bate-papo havia se intensificado e agora sempre ouvia palavras soltas,
frases completas que certamente faziam parte de diálogos, cochichos e até mesmo
versos de poesias.
O ritual continuou acontecendo pela vida. Após tomar algumas
atitudes drásticas – como dar todos os tipos existentes de chás calmantes para
o filho; matriculá-lo no caratê, natação e inglês para que ficasse cansado e sonolento e, inclusive, ter se estressado certa vez com as confabulações da
criança, acabando por colocá-la do lado de fora da casa e ameaçando que se não
se calasse iria ter de dormir por lá – a mãe resolveu aceitar a realidade e deixar
de vez o menino conversar em seus sonhos.
Tal foi sua surpresa ao perceber que a matraca do garoto se calou
assim que atingiu a pré-adolescência. Agora o que tirava o sono da mulher não
era mais a conversa do filho no quarto ao lado, mas a sua ausência nas noites que
saía com os amigos para um lugar qualquer. Foi aí que viu o quanto aquela
prosa lhe fazia bem, lhe trazia paz. Anos depois, após a puberdade, o
menino saiu de casa. As conversas durante o sono voltaram – de maneira
infrequente e ocasional –, muito provavelmente causadas pelo estresse da vida
de quem mora sozinho, mas não era nada a se preocupar.
Ultimamente o menino encontrou um colo: alguém para cuidar e
ser cuidado. Logo no começo avisou que às vezes batia um papo
com Morfeu, mas acabou soltando palavras durante o sono que incomodaram quem estava
deitado ao lado. Murmúrios de cunho tão sério que geraram uma longa conversa, desta vez com ambos acordados. Diálogo terminado, dois lados ajustados e um sentimento de bem querer compactuado. Dizem que agora o garoto parou de conversar, buscar ou chamar durante o sono. Imagino que percebeu que já tinha ao lado o que precisava, sem a necessidade de procurar no devaneio algo ainda a se realizar. Por isso ele deixou de falar e passou a simplesmente sorrir, toda noite, ao fechar os olhos, envolver com os braços e sentir a reciprocidade do sentimento que existe ali.