Tema: Folga
Por Laura Reis
Antes das 8h já estava de pé, ao lado da cama olhando de um
lado para o outro, como sempre, sem entender porque é que tinha tanta
disposição em dias de folga. Uma vez a cada três meses, mas sempre do mesmo
jeito:
No dia anterior, se planejava todo, fazendo mil listas de
tarefas de casa, de organizações de arquivos, de ações já muito procrastinadas,
mas a primeira era sempre “Acordar quando Deus quiser”. E Deus, pelo jeito,
sempre queria que fosse bem cedo.
Estudou muito, a vida toda, e já se sentia realizado
profissionalmente, exceto pelo fato de que preferiria nem ter o profissional
para analisar. Imagina ter só o lazer como “tarefa”? Aposentadoria era seu
sonho desde os 18, diga-se de passagem. Servidor público com as tão sonhadas
6h/dia de trabalho ainda em sonho, porque eram 8h, mesmo. Inclusive aos
sábados. Tinha uma conta no banco que se alimentava dos trocados e rendia ao
menos uns bons dias de férias por ano – o que já lhe parecia muito.
Nessa toada, os domingos eram reservados à família: o almoço
sagrado na casa da vó, com alguns primos e tios pingados que variavam de
domingo para domingo. Os mesmos causos, as mesmas partidas de buraco
propositalmente perdidas, a mesma sobremesa de figo enfeitando a mesa, já que
todo mundo só dava bola aos mousses e bolos crocantes. Voltava para casa já ao
entardecer, lamentando a segunda seguida de rotina maçante de todo dia.
Pois naquela folga de maio, em plena quarta-feira, riscar
todas as tarefas da folha de rascunho era seu objetivo maior. O café prolongado
na padaria tomado enquanto finalizava a leitura do último romance já lhe ajudou
a “Sair de casa”, “Terminar o livro”, “Me alimentar corretamente uma vez no dia”.
Voltou para casa pronto para tomar um banho e começar de vez
todas as outras atividades, mas a TV olhou para ele e ele olhou para o controle
e alguns episódios depois, a Netflix perguntou se ele ainda estava ali: a gota
d’água para uma crise de existência finalizada por um despertador lembrando que
um novo dia (de trabalho) começava.
Antes do episódio sobre o despertador, adormecera em meio a
milhares de papéis da tal folha de tarefas que começou a rasgar depois de abrir
a porta de casa ofegante de subir as escadas por ter voltado a pé da casa da vó
onde comeu todos os figos de domingo passado porque ela disse que curariam essa
agonia que ele estava no peito motivada por um choro compulsivo aparentemente
justificado por perder uma partida de buraco sem se planejar já que não parava
de falar sobre como precisava construir uma família, mesmo que fosse tal e qual
aquela do seriado, toda bagunçada.
É chato pensar que só um dia pós-folga-perdida te faz
entender que tempo livre é para ser desperdiçado com entretenimento sem
aspirações. Até a próxima temporada.