A letra A do seu nome*

Tema livre/ Acordei onde

Por Rafael Freitas

Culpo meu relógio biológico e, sinceramente, gostaria de saber onde ajeitar os horários desse despertador. Era sábado e eu poderia ter acordado às nove. Ou às dez, com você. Foram três horas observando você dormir, seu nariz esquisito e o cabelo fino bagunçado.

Se soubesse onde vendiam seus pães preferidos ali na vizinhança, poderia ter ido buscar e te levaria o café na cama. Mas não sei fazer café. Faria tanto barulho, por ser tão desastrado, que você acordaria. Não era a intenção. E esse romantismo lhe chegaria como um susto, pode dizer. 

Confesso: não estava assim tão tarde e eu poderia ter ido embora. Mas ali, enquanto provava aquele sanduíche que você dissera ser seu preferido, decidi que queria passar a noite com você. Tocava Norah Jones quando cheguei na sua casa e me sentei no sofá ao seu lado. Se não fosse um bom sinal, o que seria? Reparei o tapete amarelo da sala com aquela padronagem que eu gosto, o efeito gráfico dos adesivos na parede, a placa de melhor aluno na época da faculdade, a parede da cozinha pintada com aquela tinta verde de lousa, coberta por frases escritas a giz.

Escrevi sobre os unicórnios, lembra? Ali no cantinho, atrás da geladeira. "Não se esqueça dos unicórnios". Uma referência à frase de um amigo, citada na nossa conversa: "Crie unicórnios, mas não crie expectativas". Era como se escrevesse uma nota mental.

Também desenhei aquela nota musical: um pedaço de mim na parede e porque temos gostos musicais parecidos. Os musicais, os literários, os cinematográficos. Já era conteúdo para muita conversa. E ainda outras tantas afinidades.

Acordei cedo, mas acordei onde sempre quisera estar: onde houvesse um coração em paz e uma promessa de que tudo ficaria bem. Não importava a permanência: era bom sentir-me vivo de novo.

*Da canção A letra A, Nando Reis.